No Japão, como em qualquer outro lugar do mundo, existem pessoas que possuem hábitos que facilitam o estilo de vida minimalista, como também tem pessoas que acumulam muitos objetos e vivem em espaços lotados.
No entanto, o minimalismo japonês tem raízes profundas na cultura tradicional, especialmente através de conceitos como “ma” (空間) – o espaço vazio que traz significado – e “wabi-sabi” – a beleza da simplicidade e imperfeição.
Os japoneses que utilizam esses diversos conceitos que estão enraizados na cultura acabam naturalmente adotando práticas minimalistas em suas vidas diárias.
Isso se reflete na organização dos espaços, na escolha cuidadosa dos objetos e na valorização do essencial.
A influência desses princípios pode ser vista tanto em casas tradicionais japonesas quanto em apartamentos modernos nas grandes cidades.
E tendo vivido por um bom tempo no Japão eu pude conviver e entender melhor a forma de pensar e viver dos japoneses.
É interessante notar como muitos deles naturalmente incorporam elementos do minimalismo em suas rotinas, desde a organização meticulosa de seus pertences até a apreciação dos espaços vazios em suas casas.
Claro que não são todos, mas foi uma experiência muito interessante.
Limpeza
Um aspecto fundamental do minimalismo japonês está na forma como eles encaram a limpeza.
Para os japoneses, a limpeza não é apenas uma tarefa doméstica, mas um ritual que ajuda a manter a harmonia do ambiente e da mente.
Desde pequenos, as crianças aprendem na escola a importância de manter os espaços limpos, uma prática conhecida como “souji” (掃除).
É muito bacana ver as crianças, desde a tenra idade, serem instruídas a manterem seus espaços limpos.
Elas aprendem não apenas a limpar, mas a valorizar cada objeto e seu lugar específico.
Essa mentalidade acaba se tornando natural e se estende para a vida adulta, onde a organização e a limpeza se tornam parte integrante do dia a dia.
Na empresa onde trabalhei no Japão, assim como nas escolas, nós funcionários seguíamos uma escala para limpar os banheiros e outras instalações do local de trabalho.
E como isso está enraizado na cultura do país, ninguém vê como sendo algo degradante ou inferior.
É simplesmente parte da cultura de respeito ao ambiente e às pessoas que o compartilham.
Essa prática também reforça a ideia de que todos são igualmente responsáveis pela manutenção dos espaços coletivos.
Organização
A organização dos espaços é outro elemento crucial do minimalismo japonês.
Nas casas japonesas, cada objeto tem seu lugar específico, e existe uma preocupação constante em manter apenas o que é realmente necessário.
Essa abordagem se reflete no conceito de “danshari” (断捨離), um princípio que ajuda a manter os ambientes organizados e livres de excessos.
O “danshari” é composto por três ideogramas japoneses que representam diferentes aspectos deste princípio:
“Dan” (断) – significa “recusar” ou “cortar”. Representa a decisão de não trazer coisas desnecessárias para nossa vida.
“Sha” (捨) – significa “descartar” ou “jogar fora”. É o ato de se desfazer do que não é mais útil ou não traz alegria.
“Ri” (離) – significa “separar-se” ou “desprender-se”. Refere-se ao desapego emocional dos objetos materiais.
Na prática, o danshari incentiva as pessoas a:
- Pensar bem antes de adquirir novos itens
- Regularmente avaliar seus pertences
- Manter apenas o que é verdadeiramente necessário ou significativo
- Desenvolver uma relação mais saudável com objetos materiais
Este conceito vai além da simples organização física – é uma filosofia que busca trazer clareza mental e emocional através da simplificação do ambiente.
Aqui, você que já acompanha os meus vídeos há mais tempo, percebe como este conceito se alinha perfeitamente ao minimalismo e a tudo que costumo falar aqui no canal.
A busca por uma vida mais leve, organizada e significativa é uma jornada que compartilhamos, e esses princípios japoneses nos oferecem ferramentas valiosas para alcançar esse objetivo.
Espaços Multifuncionais
Um aspecto fascinante das casas japonesas é como elas maximizam o uso do espaço através de soluções multifuncionais.
Os japoneses são mestres em criar ambientes que podem ser transformados de acordo com a necessidade do momento, como salas que se tornam quartos à noite com o uso de futóns.
Essa flexibilidade não é apenas uma questão de praticidade, mas também reflete a filosofia minimalista de que um espaço pode servir a múltiplos propósitos sem a necessidade de móveis ou objetos extras.
Eu, no começo imaginava que isso acontecia porque os apartamentos no Japão são geralmente pequenos, especialmente nas grandes cidades, onde o espaço é muito limitado e valorizado.
Os imóveis têm um custo altíssimo, o que naturalmente leva as pessoas a otimizarem cada centímetro quadrado disponível.
Mas depois entendi que essa característica dos espaços multifuncionais é, na verdade, uma tradição que vem de séculos atrás, quando as casas tradicionais japonesas já eram projetadas com essa versatilidade em mente.
Por exemplo, eu morava no interior do Japão.
Lá não havia o problema de super lotação dos imóveis como em Tokyo.
Mesmo assim, as casas e apartamentos eram projetados com essa mesma filosofia de espaços versáteis e multifuncionais.
É uma solução inteligente que combina praticidade com a estética minimalista.
Desapegar do que não usa mais
Como as casas e apartamentos são pequenos, conforme mencionei, os aspectos culturais levam naturalmente à necessidade de desapegar dos itens não utilizados, já que não há espaço para acumular objetos em casa.
Qualquer pouca coisa que se acumular torna-se um incômodo visível e afeta a qualidade de vida.
Por isso, os japoneses desenvolveram o hábito de regularmente avaliar seus pertences e se desfazer do que não é mais necessário.
Essa prática não só mantém os ambientes organizados, mas também ajuda a criar uma mentalidade mais consciente sobre consumo e posse de objetos.
Por exemplo, quando fiz o meu primeiro destralhe, eu me assustei com a quantidade de roupas e outros itens que eu tinha em excesso e não percebia.
Foi nesse momento que eu tomei a iniciativa de verificar todos os meus pertences com mais frequência.
Comecei a fazer uma revisão semestral do que realmente precisava manter e o que poderia ser doado ou descartado
Essa mudança de hábito transformou completamente minha relação com os objetos e me ajudou a manter um ambiente mais organizado e agradável.
Fora que com isso passei a pensar duas vezes antes de comprar mais roupas, eletrônicos ou qualquer outra coisa que não fosse realmente necessária.
É interessante como essa consciência sobre o consumo se desenvolveu naturalmente a partir do processo de organização e desapego.
Percebi que quanto menos eu tinha, mais livre e leve me sentia para aproveitar as experiências que realmente importavam.
Wabi-Sabi
Wabi-sabi é um conceito estético japonês que celebra a beleza do imperfeito, do transitório e do incompleto.
É uma filosofia que encontra beleza na simplicidade, na naturalidade e até mesmo nas imperfeições que o tempo traz aos objetos.
Este conceito se baseia em três verdades fundamentais: nada dura, nada está completo e nada é perfeito.
Ao aceitar essas verdades, encontramos uma forma mais profunda de apreciar a vida e os objetos que nos cercam.
No contexto do minimalismo, o wabi-sabi nos ensina a:
- Valorizar objetos pelo seu significado e história, não apenas pela aparência
- Aceitar que as coisas envelhecem e mudam com o tempo, sem necessidade de substituí-las constantemente
- Encontrar beleza na simplicidade e na autenticidade, em vez do luxo e da perfeição
Por exemplo, uma xícara de cerâmica artesanal com pequenas irregularidades pode ter mais valor e significado do que uma peça industrializada perfeita, porque nela existe uma história única, uma marca do artesão que a criou, e cada pequena imperfeição conta uma história sobre seu processo de fabricação.
Esta perspectiva nos ajuda a desenvolver uma relação mais significativa e duradoura com nossos pertences.
O wabi-sabi complementa perfeitamente o estilo de vida minimalista porque nos encoraja a manter apenas objetos que verdadeiramente ressoam com nossa essência, independentemente de modismos ou padrões de perfeição impostos pela sociedade.
Saber o que tem, e onde está
Outro aspecto importante do minimalismo japonês é saber exatamente o que você possui e onde cada item está guardado.
Essa consciência sobre seus pertences ajuda a evitar compras duplicadas e mantém tudo organizado de forma eficiente.
Durante minha estadia no Japão, aprendi que ter um inventário mental claro dos meus pertences me ajudava a manter o controle e a ordem no dia a dia.
No trabalho havia o lugar certo para cada item – desde materiais de escritório até equipamentos.
Essa organização meticulosa facilitava muito o trabalho em equipe e evitava desperdícios ou compras desnecessárias.
Era um sistema simples, mas incrivelmente eficiente que todos seguiam naturalmente.
O interessante é que ao passar parte do dia em um ambiente assim, onde sabemos tudo o que tem e qual é o seu lugar certo, a tendência é levarmos esse mesmo conceito para nossa casa.
Começamos naturalmente a querer manter essa mesma organização em nosso ambiente pessoal, buscando ter um lugar específico para cada coisa.
Essa mudança de mentalidade acaba se tornando um hábito que transforma completamente nossa relação com os objetos e com o espaço.
O conceito do 5S é um método de organização do trabalho que teve origem nas fábricas japonesas.
Os 5S são: Seiri (organização), Seiton (arrumação), Seiso (limpeza), Seiketsu (padronização) e Shitsuke (disciplina).
Eu pude ver como os japoneses utilizam o 5S de forma natural no dia a dia nas empresas e como essa forma de pensar acaba extrapolando o ambiente de trabalho para dentro de casa.
Por exemplo, muitos japoneses aplicam naturalmente os princípios do 5S ao organizar suas cozinhas, mantendo apenas os utensílios necessários e estabelecendo um lugar específico para cada item.
Essa prática torna as atividades diárias mais eficientes e reduz o estresse causado pela desordem.
Esta metodologia, embora tenha surgido no ambiente industrial, pode ser perfeitamente aplicada em nossa vida pessoal para manter a ordem e a eficiência em casa.
Conclusão
Ao observar como o minimalismo se manifesta naturalmente no Japão, podemos extrair valiosas lições para nossa própria jornada em direção a uma vida mais simples e significativa.
A combinação de princípios tradicionais como “ma”, “wabi-sabi”, 5S e “danshari” com soluções práticas de organização e uso do espaço nos mostra que o minimalismo vai muito além de apenas possuir menos coisas.
É uma filosofia de vida que pode nos ajudar a encontrar mais clareza, propósito e harmonia em nosso dia a dia.
Só assim será possível alcançar uma Vida Leve, com Significado!
Deixe um comentário