Quando eu morei no Japão percebi que existem alguns hábitos que fazem parte do dia a dia dos japoneses que se nós inserirmos na nossa rotina poderia ajudar muito a tornar nossa vida mais leve e equilibrada.
São práticas simples, mas que têm um impacto profundo em como lidamos com nosso dia a dia e nosso bem-estar geral.
É claro, que por ser um hábito enraizado na cultura japonesa, eles acabam realizando de forma tão natural que acabam não percebendo o bem que faz em seu modo de viver.
Mas para pessoas como eu que não é de lá e mora por um tempo percebe isso nitidamente.
Uma coisa que é importante enfatizar é que a cultura e os hábitos dos japoneses nas gerações mais novas está mudando rapidamente ocidentalizando os seus costumes devido a vários fatores históricos e sociais.
Mas de qualquer forma todos esses hábitos ainda estão muito presentes, principalmente nos japoneses de gerações mais antigas e nas cidades menores (como a que eu morava), longe dos grandes centros urbanos.
Isso me permitiu observar e aprender com esses costumes que resistem ao tempo, mesmo em meio às mudanças da sociedade moderna.
1- Acordar cedo e dormir cedo
Eu me sinto bem acordando e dormindo cedo.
Parece que o dia rende mais e eu sou mais produtivo.
Quando eu morava no Japão e saía logo pela manhã para ir trabalhar sempre encontrava japoneses mais idosos cuidando das suas hortas que ficavam ao redor da casa.
O cuidado com as hortas não era apenas uma atividade de lazer, mas uma forma de se manterem ativos e conectados com a natureza desde o começo do dia.
Essa rotina matinal deles me inspirava, pois demonstrava como uma vida disciplinada e em harmonia com os ciclos naturais pode trazer mais equilíbrio ao nosso dia a dia.
Inclusive dava para perceber nitidamente em como, apesar de sua idade, eles se mantinham sadios e ativos.
Nós vemos esse hábito de acordar e dormir cedo em muitas pessoas que moram no campo.
E não é por acaso – esse ritmo natural de vida está profundamente ligado ao nosso ciclos circadiano, algo que a vida moderna nas grandes cidades acabou distanciando de nós.
Até porque para cuidar da plantação e dos animais é mais fácil seguir o ciclo natural do sol, começando as atividades com o nascer do dia e encerrando quando o sol se põe.
É um ritmo que nossos ancestrais seguiram por milhares de anos, e que ainda hoje faz muito sentido para nossa saúde física e mental.
Quando seguimos esse padrão mais natural, nosso corpo responde positivamente, melhorando nossa disposição e energia ao longo do dia.
2- Expressar gratidão
No Japão, a gratidão é mais do que uma simples cortesia – é um valor fundamental que permeia todas as interações sociais.
Desde pequenos, os japoneses são ensinados a expressar gratidão em diversos momentos do dia.
Essa prática constante de expressar gratidão tem benefícios profundos.
Primeiro, nos ajuda a desenvolver uma maior consciência e apreciação pelas pequenas coisas da vida.
Quando agradecemos regularmente, começamos a notar mais os gestos de bondade ao nosso redor.
É aquilo que eu sempre comento de que o nosso universo interno pode transformar o nosso universo externo.
A gratidão também promove a humildade, pois nos faz reconhecer que dependemos uns dos outros e que nossas conquistas não são apenas resultado de nossos próprios esforços.
Isso cria um senso de comunidade e fortalece os laços sociais.
Nos relacionamentos, a prática da gratidão pode transformar completamente a dinâmica das interações.
Quando expressamos sincero agradecimento, as pessoas se sentem valorizadas e reconhecidas, o que naturalmente leva a relacionamentos mais profundos e significativos.
Incorporar esse hábito japonês em nossa vida pode ser tão simples quanto começar e terminar o dia listando três coisas pelas quais somos gratos, ou fazer um esforço consciente para agradecer às pessoas que nos ajudam no dia a dia, mesmo nas pequenas coisas.
Conforme eu aprendi a ser mais grato e agradecer mais às pessoas por qualquer gentileza que fazem eu percebi que minha vida ficou mais leve e as pessoas começaram a retribuir naturalmente essa energia positiva.
É como se a gratidão criasse um ciclo virtuoso, onde quanto mais agradecemos, mais motivos temos para ser gratos.
Essa mudança de perspectiva foi uma das lições mais valiosas que aprendi durante minha estadia no Japão.
3- Limpar o banheiro
No Japão, a prática de limpar o banheiro vai muito além da simples higiene – é considerada uma forma de meditação ativa e desenvolvimento pessoal.
Nas escolas japonesas, os próprios alunos são responsáveis pela limpeza dos banheiros, uma prática que ensina disciplina, responsabilidade e respeito pelo espaço coletivo desde cedo.
Esta tarefa aparentemente simples carrega um profundo significado simbólico: ao limpar o banheiro, também “limpamos” nossa mente de pensamentos negativos e desenvolvemos humildade.
Esse hábito é tão forte e enraizado na cultura japonesa que você pode ir em qualquer banheiro que sempre o encontrará limpo.
Pode ser o banheiro de um shopping, de uma estação de trem, os que ficam disponíveis em parques públicos e até os que ficam em praças e parquinhos no meio da cidade.
Todos são impecavelmente limpos e o mais importante: se mantém assim ao longo do dia.
Podemos adaptar esse conceito à nossa realidade mantendo um momento específico do dia para limpar nosso banheiro, transformando essa tarefa em um ritual consciente de organização tanto do espaço físico quanto mental.
Ao invés de ver a limpeza do banheiro como algo desagradável, podemos encará-la como uma oportunidade de praticar atenção plena e cultivar disciplina.
Este hábito também nos ensina a valorizar e respeitar todos os aspectos da vida doméstica, mesmo aqueles que normalmente consideraríamos menos nobres ou agradáveis.
E aí que eu acho que é um ponto bastante interessante.
Na nossa cultura ocidental tendemos a desvalorizar serviços que “achamos” que não são importantes.
Mas que você pensar melhor esses serviços são primordiais para ter qualidade de vida e nós dependemos de muitos deles para ter uma vida confortável e saudável.
Desde a coleta de lixo até a limpeza das ruas, são trabalhos essenciais que merecem nosso respeito e reconhecimento.
Essa mudança de perspectiva sobre o valor de cada tipo de trabalho é fundamental para construir uma sociedade mais harmoniosa e respeitosa.
4- Não entrar com o calçado de rua dentro de casa
Este é um dos hábitos mais visíveis e característicos da cultura japonesa.
Ao entrar em uma casa japonesa, você imediatamente se depara com o “genkan”, uma área de entrada onde todos devem retirar os sapatos antes de entrar no espaço principal da casa.
Aqui na cabana, nós criamos o nosso “genkan” no corredor do lado de fora.
Escolhemos esse local porque ele é coberto e dessa forma não chegamos a pisar com o calçado sujo da rua dentro de casa.
Esta prática não é apenas uma questão de higiene, mas também, no Japão, simboliza a separação entre o mundo exterior e o ambiente sagrado do lar.
A tradição de tirar os sapatos ajuda a manter a casa mais limpa e preservada, além de criar um ambiente mais confortável e relaxante.
Nas casas japonesas, nós usamos um chinelo especifico para o uso interno, chamado “suripa”, garantindo tanto o conforto quanto a limpeza dos ambientes.
Aqui no Brasil eu e minha esposa elegemos um dos nossos chinelos normais para ser usado apenas dentro da cabana e tem funcionado perfeitamente assim.
Esse hábito mantém a casa limpa com mais facilidade além de ser benéfico para a saúde, principalmente para quem tem algum tipo de alergia.
5- Agradecer antes de comer
No Japão, o ato de agradecer antes das refeições é um momento sagrado de reflexão e gratidão.
Este ritual vai muito além de uma simples formalidade – é uma prática que nos ensina a valorizar cada elemento que compõe nossa alimentação.
Quando os japoneses dizem “Itadakimasu”, eles não estão apenas agradecendo pela comida em si, mas reconhecendo toda a cadeia de pessoas e processos que tornaram aquela refeição possível: os agricultores que cultivaram os ingredientes, os transportadores que os levaram até os mercados, e as pessoas que prepararam a refeição com cuidado e dedicação.
Esta prática promove a atenção plena durante as refeições, pois nos faz parar por um momento e realmente apreciar o que vamos comer.
É um exercício que nos ajuda a comer com mais consciência e menos pressa.
Para incorporar este hábito em nossa vida diária, podemos:
- Fazer uma pausa antes de começar a comer para observar e apreciar os alimentos em nosso prato
- Dedicar um momento para agradecer mentalmente ou verbalmente a todos que contribuíram para aquela refeição
- Criar um pequeno ritual familiar de gratidão antes das refeições, especialmente quando toda a família está reunida
Esta prática simples pode transformar significativamente nossa relação com a comida e nos ajudar a desenvolver uma maior consciência sobre o valor de cada refeição, reduzindo o desperdício e aumentando nossa apreciação por algo tão fundamental em nossas vidas.
Após a refeição, os japoneses dizem “Gochisousama deshita” como forma de agradecer novamente.
Esse é mais um dos hábitos da cultura japonesa que eu e minha esposa preservamos até hoje.
6- Respeito pelos mais velhos
Atualmente vemos uma inversão de valores onde não percebem como as pessoas com mais idade podem ajudar com sua experiência e sabedoria acumulada ao longo dos anos.
No Japão, os idosos são tratados com profundo respeito e consideração, sendo vistos como fonte valiosa de conhecimento e orientação.
Essa reverência aos mais velhos está profundamente enraizada na cultura japonesa, onde a idade é associada à sabedoria e ao mérito.
Infelizmente não vemos isso acontecendo na cultura ocidental.
Em nossa sociedade, muitas vezes os idosos são vistos como um fardo ou são simplesmente ignorados, perdendo assim a oportunidade de aprender com suas experiências de vida.
Essa desvalorização não apenas empobrece nossa cultura, mas também nos priva de importantes lições que poderiam ser transmitidas através das gerações.
E outro ponto muito importante é compreender que para qualquer pessoa é importante sentir-se útil e valorizada.
Quando privamos os idosos de compartilhar suas experiências e conhecimentos, também os privamos desse sentimento fundamental de pertencimento e propósito.
Por isso, devemos não apenas respeitar nossos idosos, mas também criar oportunidades para que eles possam contribuir ativamente com a sociedade e principalmente, dentro das famílias.
7- Kaizen
Kaizen é uma filosofia japonesa que significa “melhoria contínua”.
Este conceito vai muito além do ambiente empresarial onde é mais conhecido – é uma maneira de viver que os japoneses aplicam em todos os aspectos de suas vidas.
Na cultura japonesa, o Kaizen é praticado através de pequenas mudanças diárias, consistentes e graduais.
Em vez de buscar transformações drásticas, os japoneses acreditam que melhorias pequenas e constantes levam a resultados mais duradouros e significativos.
É aquilo que eu sempre comento com você de ser um pouco melhor a cada dia.
É disso que se trata e é isso que temos que ter consciência.
Por exemplo, se alguém quer melhorar sua saúde, em vez de fazer mudanças radicais na dieta ou começar um programa intenso de exercícios, a abordagem Kaizen sugeriria começar com pequenas alterações, como:
- Adicionar uma porção extra de vegetais por dia
- Caminhar 5 minutos a mais que o habitual
- Dormir 15 minutos mais cedo
O poder do Kaizen está na sua simplicidade e sustentabilidade.
Afinal, não adiante querer implementar um novo hábito na sua vida, principalmente se esse hábito for complexo.
A grande probabilidade é que você comece e depois de uma semana já tenha parado.
Quando fazemos pequenas mudanças, elas são mais fáceis de manter e, com o tempo, se transformam em hábitos naturais.
Para aplicar o Kaizen em nossas vidas, podemos seguir alguns princípios básicos:
- Estabelecer pequenas metas diárias alcançáveis
- Manter consistência nas ações, mesmo que pareçam insignificantes
- Celebrar pequenos progressos
- Focar no processo, não apenas no resultado final
Uma característica importante do Kaizen é a reflexão diária.
Os japoneses costumam reservar um momento do dia para avaliar o que pode ser melhorado, mesmo que seja algo muito pequeno.
Esta prática de auto-reflexão ajuda a identificar áreas que precisam de atenção e a manter o foco no crescimento contínuo.
O Kaizen nos ensina que não precisamos de mudanças revolucionárias para transformar nossa vida.
A verdadeira transformação acontece através da soma de pequenas melhorias consistentes ao longo do tempo.
Ao adotar esta mentalidade, podemos criar mudanças duradouras em qualquer área de nossas vidas, seja nos relacionamentos, na carreira, na saúde ou no desenvolvimento pessoal.
Conclusão
Imagina se você, aos poucos, começar a inserir esses hábitos japoneses na sua vida.
Com certeza sua vida ficará muito mais leve e equilibrada.
Estes hábitos milenares da cultura japonesa têm o poder de trazer mais consciência, respeito e harmonia para o nosso dia a dia.
Nossa sociedade é nova e ainda estamos aprendendo a equilibrar nosso estilo de vida agitado com práticas que promovam bem-estar e harmonia.
Por isso, podemos nos beneficiar muito ao observar e incorporar esses ensinamentos da cultura japonesa, que já foram testados e aprimorados ao longo de gerações.
E o mais importante: você pode começar devagar, incorporando uma prática de cada vez, seguindo o próprio conceito do Kaizen que acabamos de aprender.
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